Ordenamento Territorial Geomineiro - OTGM: o que é, como funciona e por que é estratégico para o futuro da mineração no Brasil
O uso racional do território é um dos pilares da sustentabilidade e da segurança jurídica no setor mineral. À medida que os espaços urbanos se expandem, áreas ambientalmente sensíveis são protegidas e novas demandas econômicas surgem, torna-se cada vez mais necessário um instrumento que equilibre esses interesses com a disponibilidade e o aproveitamento dos recursos minerais. É nesse contexto que se insere o Ordenamento Territorial Geomineiro (OTGM).
O OTGM é uma abordagem técnica e estratégica que permite compatibilizar o uso do solo com o potencial mineral de uma determinada região. Ao promover uma ocupação territorial planejada e integrada, esse instrumento se consolida como elemento essencial para garantir a continuidade da mineração de forma legal, segura e sustentável. Este artigo debate o OTGM sob a perspectiva legal e institucional, destacando sua relevância para o futuro da atividade mineral no Brasil.
O que é o Ordenamento Territorial Geomineiro (OTGM)?
O OTGM é um instrumento de planejamento que visa estruturar, por meio de bases técnico-científicas, o zoneamento minerário de uma região, orientando a ocupação e o uso do solo com base na sua aptidão para a mineração.
Diferentemente de outros tipos de ordenamento, como o ambiental ou urbano, o OTGM é voltado especificamente à gestão do território a partir da perspectiva mineral, buscando garantir o acesso e a preservação de áreas com potencial geológico relevante. Ele não exclui outras formas de uso do território, mas atua como mediador técnico entre as diversas vocações territoriais, oferecendo um modelo de governança que articula poder público, setor produtivo e sociedade civil.
Base legal e normativa do OTGM no Brasil
A Constituição Federal de 1988 é o principal marco legal para o desenvolvimento de políticas públicas de ordenamento territorial no Brasil. Ela estabelece, de forma clara, competências e diretrizes para que a União, os estados e, principalmente, os municípios atuem de maneira coordenada no planejamento do território nacional.
Dentro desse arcabouço constitucional, o Ordenamento Territorial Geomineiro (OTGM) encontra respaldo direto, especialmente em temas relacionados ao uso do solo, ao aproveitamento de recursos naturais e à função social da propriedade.
Entre os dispositivos constitucionais mais relevantes para o OTGM, destacam-se:
- Art. 21, inciso IX
“Compete à União: elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.”
Este artigo atribui à União a responsabilidade de liderar políticas de ordenamento territorial em escala nacional. Isso inclui a definição de diretrizes macroeconômicas e espaciais que orientem o uso do solo de forma articulada com os recursos naturais disponíveis — como os minerais.
- Art. 30, inciso VIII
“Compete aos Municípios: promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.”
Esse artigo reforça o papel dos municípios como entes centrais na estruturação do ordenamento territorial. O OTGM oferece, assim, subsídios técnicos para os planos diretores e zoneamentos municipais, orientando o poder público local sobre onde e como a mineração pode ocorrer de forma compatível com o desenvolvimento urbano, ambiental e social.
- Art. 182
“A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
Ao enfatizar o papel do ordenamento urbano no bem-estar da população, este artigo amplia a relevância de instrumentos como o OTGM. A presença de jazidas ou áreas com potencial mineral em regiões urbanas ou em processo de urbanização exige planejamento antecipado para que a mineração e o crescimento das cidades possam coexistir sem conflitos.
- Art. 186
“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Esse dispositivo reforça a ideia de que o uso da terra — inclusive para fins minerários — deve estar vinculado ao interesse coletivo e à sustentabilidade. O OTGM, ao organizar o território com base em critérios técnicos, ambientais e socioeconômicos, viabiliza o cumprimento da função social da propriedade no contexto da atividade mineral, evitando usos predatórios ou desalinhados com os atributos naturais da área.
▸ Art. 225
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Por fim, o artigo 225 estabelece o dever de preservação ambiental como responsabilidade compartilhada. O OTGM contribui para essa missão ao identificar áreas de conflito entre a mineração e o meio ambiente e ao orientar o planejamento de forma que a extração mineral ocorra com base em critérios técnicos e em harmonia com os recursos ambientais existentes.
Conflitos de uso e a importância do OTGM na segurança jurídica
A atividade minerária depende, por natureza, da disponibilidade e do acesso ao recurso mineral no subsolo. No entanto, ele está condicionado ao uso do território na superfície, que, por sua vez, é compartilhado com outras dinâmicas econômicas, sociais e ambientais. Essa complexidade gera um dos maiores desafios do setor mineral: a convivência – nem sempre pacífica – entre o aproveitamento mineral e os demais usos do solo.
A ausência de um planejamento integrado que considere o potencial geológico do território desde as fases iniciais de ordenamento pode comprometer a viabilidade de empreendimentos minerários futuros. Muitas vezes, áreas com elevado potencial mineral são ocupadas por loteamentos urbanos ou instalações industriais, sem que haja um processo técnico de avaliação da compatibilidade entre esses usos.
É nesse contexto que o OTGM se mostra fundamental. Ele funciona como uma ferramenta de mediação antecipada, permitindo identificar as áreas onde a mineração é viável, onde é possível sob certas condições e onde é legalmente inviável. Essa classificação não só minimiza disputas, mas também proporciona segurança jurídica para investidores, poder público e comunidades, ao trazer previsibilidade para o uso do território.
Alguns exemplos de conflitos comuns que o OTGM busca prevenir ou mitigar incluem:
- Mineração x expansão urbana: ocupação de áreas mineráveis por loteamentos residenciais, escolas, hospitais ou outras infraestruturas incompatíveis com a atividade mineral.
- Mineração x unidades de conservação: sobreposição de processos minerários com áreas legalmente protegidas, onde a exploração é restrita ou proibida.
- Sobreposição de títulos: conflitos entre diferentes requerentes de uso do solo ou do subsolo, como títulos minerários, concessões florestais, projetos agrícolas e assentamentos rurais.
Ao permitir a antecipação desses cenários, o OTGM fortalece o papel de mediação do Estado, especialmente por meio dos órgãos reguladores e as secretarias estaduais e municipais de meio ambiente e planejamento urbano. Também confere aos municípios maior capacidade de decisão e articulação entre os interesses locais e os direitos minerários previamente outorgados.
A previsibilidade gerada por esse instrumento protege a continuidade da atividade mineral e como reduz custos com judicializações e retrabalho em projetos. É, portanto, um alicerce para que a mineração ocorra de forma planejada, responsável e alinhada ao desenvolvimento territorial sustentável.
OTGM nos processos de licenciamento e outorga de títulos
A viabilidade de novos empreendimentos minerários depende, cada vez mais, da demonstração de compatibilidade com o uso do solo. O OTGM entra nesse processo como um elemento técnico que pode ser considerado tanto na fase de outorga de títulos minerários quanto no licenciamento ambiental.
Em muitas situações, a ausência de diretrizes claras sobre a destinação territorial de uma área tem levado à negativa de licenças ambientais ou mesmo à judicialização de projetos. A existência de um OTGM estruturado permite reduzir esses entraves ao estabelecer previamente as zonas aptas para a mineração, orientando o empreendedor e qualificando a análise dos órgãos licenciadores.
Integração entre OTGM e planejamento territorial municipal
Para que o OTGM alcance sua máxima eficácia, é fundamental que ele esteja integrado aos Planos Diretores Municipais e demais instrumentos de planejamento local.
O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana que estabelece diretrizes, estratégias e regras para ordenar o território com base nas necessidades da coletividade.
Ele busca conciliar diferentes funções — como moradia, trabalho, mobilidade, lazer, produção e conservação — com a função social da propriedade e a justiça territorial. Seu principal objetivo é planejar o futuro da cidade, garantindo qualidade de vida, acesso à terra urbanizada, uso racional dos recursos e redução das desigualdades.
Os municípios têm papel essencial na mediação dos usos do solo e, ao incorporar o OTGM em seus zoneamentos, podem garantir a coexistência equilibrada entre a mineração e outras atividades.
No entanto, essa integração ainda enfrenta desafios como:
- Falta de legislação específica sobre OTGM em âmbito federal;
- Carência de dados geológicos e territoriais organizados;
- Baixa capacitação técnica de equipes municipais para absorver as informações produzidas pelo OTGM.
Superar essas barreiras exige articulação interinstitucional e investimento em inteligência territorial, além de uma postura proativa do setor mineral em contribuir com diagnósticos e propostas técnicas.
O papel das ferramentas digitais na consolidação do OTGM
A construção de um Ordenamento Territorial Geomineiro eficaz exige a integração de um volume significativo de informações — geológicas, ambientais, legais, socioeconômicas e de uso do solo — de forma georreferenciada, atualizada e acessível. Nesse sentido, as ferramentas digitais baseadas em sistemas de informação geográfica (SIG) desempenham um papel cada vez mais estratégico no apoio à formulação, implementação e gestão de políticas territoriais aplicadas à mineração.
Essas soluções tecnológicas viabilizam análises espaciais mais robustas, permitem a sobreposição de diferentes camadas de informação (como processos minerários, áreas protegidas, zoneamentos municipais, infraestrutura, entre outros) e possibilitam diagnósticos rápidos sobre conflitos, riscos ou oportunidades em um determinado território.
Além disso, tais plataformas são fundamentais para a comunicação entre o setor mineral e o poder público, já que facilitam a visualização técnica de cenários, auxiliam na tomada de decisão e fortalecem a transparência dos processos.
É nesse contexto que o Jazida se apresenta como uma ferramenta de inteligência territorial especialmente relevante. Por meio de uma plataforma online integrada a bases oficiais, o Jazida permite que usuários:
- Visualizem mapas interativos com filtros e camadas dinâmicas sobre processos minerários, áreas de restrição ambiental, municípios, hidrografia, infraestrutura e outras bases temáticas;
- Analise áreas de interesse cruzando diferentes variáveis para avaliar viabilidade territorial, evitando conflitos com áreas protegidas ou zonas urbanas;
- Compartilhe informações com equipes técnicas, jurídicas ou administrativas, de forma segura e centralizada.
Ao oferecer esses recursos, o Jazida se torna um aliado para empresas que desejam incorporar o OTGM na sua estratégia de expansão ou regularização, e também para consultores, escritórios de advocacia e gestores públicos que atuam na interface entre mineração e ordenamento territorial.
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A mineração moderna exige planejamento territorial, diálogo com a sociedade e responsabilidade ambiental. O Ordenamento Territorial Geomineiro é um dos principais instrumentos para alinhar essas dimensões, oferecendo uma base técnica sólida para o desenvolvimento sustentável da atividade mineral.
Ao classificar o território em zonas com diferentes aptidões e restrições para a mineração, o OTGM antecipa cenários de conflito, promove a harmonização entre usos do solo e fortalece a segurança jurídica de projetos minerários. Trata-se, portanto, de uma política pública com implicações diretas na governança do território e na capacidade do país de garantir o suprimento futuro de bens minerais essenciais à economia.
Contudo, para que esse instrumento se consolide, é necessário que haja integração efetiva entre os entes federativos, investimento em tecnologia e, sobretudo, comprometimento institucional com o planejamento estratégico do território.
Ferramentas como o Jazida mostram que a tecnologia pode ser aliada nesse processo, ao tornar os dados mais acessíveis, qualificar as análises e reduzir as incertezas para todos os atores envolvidos.
FAQ – Perguntas Frequentes
1. O que é o Ordenamento Territorial Geomineiro (OTGM)?
O OTGM é um instrumento de planejamento que organiza o uso do solo considerando o potencial mineral de uma região. Ele busca compatibilizar a mineração com outros usos do território, garantindo segurança jurídica, sustentabilidade e equilíbrio entre interesses econômicos, sociais e ambientais.
2. Qual a diferença entre OTGM e outros tipos de ordenamento territorial?
Enquanto o ordenamento urbano ou ambiental foca em aspectos específicos como crescimento das cidades ou preservação de ecossistemas, o OTGM é direcionado à gestão do território a partir da perspectiva mineral. Ele não exclui outros usos, mas atua como mediador técnico para que a mineração e outras atividades possam coexistir.
3. Por que o OTGM é importante para a segurança jurídica da mineração?
A ausência de planejamento integrado pode gerar conflitos de uso, inviabilizar empreendimentos e aumentar judicializações. O OTGM antecipa cenários, define zonas aptas ou restritas à mineração e reduz incertezas, proporcionando previsibilidade para investidores, comunidades e poder público.
4. Quais são os principais conflitos que o OTGM ajuda a prevenir?
Mineração x expansão urbana – ocupação de áreas mineráveis por loteamentos e infraestrutura urbana.
Mineração x áreas de conservação – sobreposição com unidades de proteção ambiental.
Sobreposição de títulos – conflitos entre usos minerários, agrícolas, florestais ou urbanos.
5. O que é o Jazida e como ele se relaciona com o OTGM?
O Jazida é uma plataforma digital integrada a bases oficiais que facilita análises territoriais aplicadas à mineração. Ele ajuda empresas, consultores e gestores públicos a:
Avaliar viabilidade territorial de áreas.
Identificar conflitos com zonas urbanas ou protegidas.
Assim, o Jazida se torna um aliado na aplicação prática do OTGM.
Referências
MIneração e municípios. Disponível em: https://fflorestal.sp.gov.br/petroleo-gas-mineracao/mineracao-e-os-municipios-otgm/. Acesso em julho de 2025.
O Conceito de Ordenamento Territorial com Ênfase às Atividades de Mineração: Contexto do APL de Santa Gertrudes – SP. Disponível em: https://www.aspacer.com.br/wp-content/uploads/2016/10/2016_SeminarioAPLMin_OTGM_Sta_Gertrudes_def.pdf. Acesso em julho de 2025.
Ordenamento territorial geomineiro: exemplo da aplicabilidade como instrumento de gestão pública da mineração na região de Águas da Prata. Disponível em: Revista IPT | Tecnologia e Inovação. Acesso em julho de 2025.
Ordenamento Territorial Geomineiro (OTGM) do Polo Mínero-Cerâmico de Santa Gertrudes - SP: Um Instrumento de Planejamento e Gestão para Garantir o Suprimento Sustentável de Recursos Minerais. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4716/471655316005.pdf. Acesso em julho de 2025.
Guia para elaboração e revisão de planos diretores. Disponível em: https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/desenvolvimento-urbano-e-metropolitano/projeto-andus/GuiaparaElaboraoeRevisodePlanosDiretores_compressed.pdf. Acesso em julho de 2025.